segunda-feira, 13 de julho de 2009

MISSÃO CUMPRIDA




Você talvez não tenha se dado conta, irmão.
Em Edimburgo, onde fundiram a célula mamária
de uma ovelha com o óvulo de outra e criaram
uma terceira, ou repetiram a primeira, o homem
começou a ficar obsoleto. Você eu não sei, mas
eu já estou me sentindo como um disco de vinil.
A não ser pelos cientistas que, impensadamente,
decretaram seu próprio fim fazendo a experiência,
nenhum macho participou do processo de
reprodução da nova ovelha. Teoricamente, o
espermatozóide perdeu sua função no mundo.
Os produtores de espermatozóides somos
nós. Temos o monopólio. Ao contrário dos
fabricantes de lampiões a gás, que rapidamente
ajustaram-se à eletricidade, não podemos adaptar
nossa produção mudando um detalhe. Não temos
nem o recurso da fraude, de fazer espermatozóide
passar por óvulo para não perder o mercado. Não
cola. Em pouco tempo seremos o gênero supérfluo.
Não dou até 2075, 76, por aí, para desaparecermos
da face da Terra. Como o óvulo é imprescindível
para o novo método de procriação, é óbvio que
produzirão mais mulheres que homens. E cedo ou
tarde elas farão a pergunta: para o que é mesmo que
serve o homem? As profissões tradicionalmente
masculinas – estivador, gigolô, chefe de cozinha,
drag queen, zagueiro central, etc. – estarão
dominadas pela automação ou pelas próprias
mulheres. Com nossa crescente desmoralização,
perderemos até o valor como objetos sexuais, pois
quem vai querer um acuado na cama? (Isso se ainda
existir o sexo como o conhecemos. Prevejo que os
homens que restarem tentarão escapar do
aniquilamento reunindo-se em bandos renegados,
nas florestas que sobrarem. Fugirão das mulheres
e, com ironia histórica, só farão sexo com ovelhas).
Cedo ou tarde elas decidirão nos cancelar em
definitivo.
Estávamos no mundo para fazer
espermatozóides. A Capela Sistina, a Nona
Sinfonia, a Itaipu Binacional - foi tudo produção
secundária, tudo bico. Nossa missão era
fornecer espermatozóide. Nossa missão acabou.

(VERISSIMO, L. F. In: Jornal do Brasil, 26 de fevereiro de 1997)